segunda-feira, 2 de junho de 2008

MULHER NEGRA (Léopold Sédar Senghor)

MULHER NEGRA (Léopold Sédar Senghor)

Mulher nua, mulher negra
Vestida de tua cor que é vida, de tua forma que é beleza!
Cresci à tua sombra; a doçura de tuas mãos acariciou os meus olhos.
E eis que, no auge do verão, em pleno Sul, eu te descubro,
Terra prometida, do cimo de alto desfiladeiro calcinado,
E tua beleza me atinge em pleno coração, como o golpe certeiro de uma águia.
Fêmea nua, fêmea escura.
Fruto sazonado de carne vigorosa, êxtase escuro de vinho negro, boca que faz lírica a minha boca
savana de horizontes puros,
savana que freme com as carícias ardentes do vento Leste.
Tam-tam escultural, tenso tambor que murmura sob os dedos do vencedor
Tua voz grave de contralto é o canto espiritual da Amada.
Fêmea nua, fêmea negra,
Lençol de óleo que nenhum sopro enruga, óleo calmo nos flancos do atleta, nos flancos dos príncipes do Mali.
Gazela de adornos celestes, as pérolas são estrelas sobre a noite da tua pele.
Delícia do espírito, as cintilações de ouro sobre tua pele que ondula
à sombra de tua cabeleira.
Dissipa-se minha angústia, ante o sol dos teus olhos.
Mulher nua, fêmea negra,
Eu te canto a beleza passageira para fixá-la eternamente,
antes que o zelo do destino te reduza a cinzas para alimentar as raízes da vida.


*************************************************************

O belíssimo texto acima é do intelectual africano Léopold Sédar Senghor. Ouvi falar de Senghor e desse texto durante uma oficina in-crí-vel sobre africanidades que fiz na PUC no ano passado. Chamava "Arca de Ébano" e era ministrada por um professor que eu adorei (e que, infelizmente, não faz parte dos quadros fixos da PUC. ah... a Academia...). Enfim, esse texto me tocou muito, porque foi a primeira vez que, como mulher negra, me vi retratada com tanta com tanta beleza e delicadeza em uma poesia.

Abaixo, segue uma breve biografia do autor, encontrada no site Net Saber. Vale a pena conhecer Senghor...


Leopold Sédar Senghor

Professor de instituto e de escola superior, poeta e filósofo, representou seu país na Assembléia Nacional Francesa entre 1946 e 1958. Foi um dos combatentes mais empenhados na independência de seu país, então uma colônia francesa, ainda que tenha advogado a manutenção dos vínculos econômicos e culturais. Entre 1959 e 1960, presidiu breve Federação do Mali (formada pelo Senegal e pelo atual Mali). Após a dissolução desta, tornou-se presidente do Senegal independente. Com o apoio do Partido Socialista Democrático, tentou, durante seu mandato como primeiro-ministro (1962 e 1970), melhorar as condições de vida da população, recorrendo à aplicação de um programa socialista moderado. Em 1980, renunciou tanto a seus cargos no partido como à liderança do país e aceitou a presidência da Internacional Socialista na África. A partir desse momento, consagrou-se mais intensamente à criação literária. Poesia e política surgem em sua obra como elementos da chamada "negritude", movimento do qual é o representante mais significativo, juntamente com Aimé Césaire, e que prega que a redescoberta pelos africanos de sua cultura constitui o caminho para o reconhecimento da própria identidade ("regresso às origens"). Aos 23 anos, Senghor foi o primeiro professor africano numa universidade francesa, tendo sido igualmente o primeiro intelectual negro a ingressar na Académie Française, em 1984.

Um comentário:

pé-de-feijão disse...

Oi Val! Obrigado pela visita. Também passarei por estas páginas para me alimentar de vez em quando. Também não conhecia o poeta, valeu pela dica! Beijos.