sexta-feira, 23 de fevereiro de 2007

“Saudade é um pouco como fome. Só passa quando se come a presença. Mas às vezes a saudade é tão profunda que a presença é pouco: quer-se absorver a outra pessoa toda. Essa vontade de um ser o outro para uma unificação inteira é um dos sentimentos mais urgentes que se tem na vida”.

Clarice Lispector

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2007

Depois de um longo e tenebroso inverno....

.... cá estou, de volta ao trabalho. Passei uns dias sem postar, mas mando uma boa do Quintana que meu querido amigo Celso me mandou:

“Há noites que eu não posso dormir de remorso por tudo o que eu deixei de cometer.”
Mário Quintana


bom, com certeza é basicamente isso. :-)

domingo, 4 de fevereiro de 2007

4º Motivo da rosa (Cecília Meireles)

Não te aflijas com a pétala que voa:
também é ser, deixar de ser assim.

Rosas verá, só de cinzas franzida,
mortas, intactas pelo teu jardim.

Eu deixo aroma até nos meus espinhos
ao longe, o vento vai falando de mim.

E por perder-me é que vão me lembrando,
por desfolhar-me é que não tenho fim.
"... Num deserto de almas também desertas, uma alma especial reconhece de imediato a outra ˜ talvez por isso, quem sabe? Mas nenhum se perguntou. Não chegaram a usar palavras como "especial", "diferente" ou qualquer coisa assim. Apesar de, sem efusões, terem se reconhecido no primeiro segundo do primeiro minuto... Mas desde o princípio alguma coisa ˜ fados, astros, sinas, quem saberá? conspirava contra (ou a favor, por que não?) aqueles dois (...) Para não sentirem tanto frio, tanta sede, ou simplesmente por serem humanos, sem querer justificá-los ˜ ou, ao contrário, justificando-os plena e profundamente, enfim: que mais restava àqueles dois senão, pouco a pouco, se aproximarem, se conhecerem, se misturarem? Pois foi o que aconteceu. Tão lentamente que mal perceberam."
Caio Fernando Abreu

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2007

Luz é vida.... é pulsação...

Foto by Claudia Marques

um dos meus Vinícius favoritos...

Porque você é uma menina com uma flor e tem uma voz que não sai, eu lhe prometo amor eterno, salvo se você bater pino, que aliás você não vai nunca porque você acorda tarde, tem um ar recuado e gosta de brigadeiro: quero dizer, o doce feito com leite condensado.E porque você é uma menina com uma flor e chorou na estação de Roma porque nossas malas seguiram sozinhas para Paris e você ficou morrendo de pena delas partindo assim no meio de todas aquelas malas estrangeiras. E porque você quando sonha que eu estou passando você para trás, transfere sua d.d.c. para o meu cotidiano e implica comigo o dia inteiro como se eu tivesse culpa de você ser assim tão subliminar. E porque quando você começou a gostar de mim procurava saber por todos os modos com que camisa esporte eu ia sair para fazer mimetismo de amor, se vestindo parecido. E porque você tem um rosto que está sempre num nicho, mesmo quando põe o cabelo para cima, como uma santa moderna, e anda lento, a fala em 33 rotações mas sem ficar chata. E porque você é uma menina com uma flor, eu lhe predigo muitos anos de felicidade, pelo menos até eu ficar velho: mas só quando eu der aquela paradinha marota para olhar para trás, aí você pode se mandar, eu compreendo.
E porque você é uma menina com uma flor e tem um andar de pajem medieval; e porque você quando canta nem um mosquito ouve a sua voz, e você desafina lindo e logo conserta, e às vezes acorda no meio da noite e fica cantando feito uma maluca. E porque você tem um ursinho chamado Nounouse e fala mal de mim para ele, e ele escuta mas não concorda porque é muito meu chapa, e quando você se sente perdida e sozinha no mundo você se deita agarrada com ele e chora feito uma boba fazendo um bico deste tamanho. E porque você é uma menina que não pisca nunca e seus olhos foram feitos na primeira noite da Criação, e você é capaz de ficar me olhando horas. E porque você é uma menina que tem medo de ver a Cara– na-Vidraça, e quando eu olho você muito tempo você vai ficando nervosa até eu dizer que estou brincando. E porque você é uma menina com uma flor e cativou meu coração e adora purê de batata, eu lhe peço que me sagre seu Constante e Fiel Cavalheiro.
E sendo você uma menina com uma flor, eu lhe peço também que nunca mais me deixe sozinho, como nesse último mês em Paris; fica tudo uma rua silenciosa e escura que não vai dar em lugar nenhum; os móveis ficam parados me olhando com pena; é um vazio tão grande que as outras mulheres nem ousam me amar porque dariam tudo para ter um poeta penando assim por elas, a mão no queixo, a perna cruzada triste e aquele olhar que não vê. E porque você é a única menina com uma flor que eu conheço, eu escrevi uma canção tão bonita para você, "Minha namorada", a fim de que, quando eu morrer, você se por acaso não morrer também, fique deitadinha abraçada com Nounouse, cantando sem voz aquele pedaço em que eu digo que você tem de ser a estrela derradeira, minha amiga e companheira, no infinito de nós dois.
E já que você é uma menina com uma flor e eu estou vendo você subir agora – tão purinha entre as marias-sem-vergonha – a ladeira que traz ao nosso chalé, aqui nestas montanhas recortadas pela mão presciente de Guignard; e o meu coração, como quando você me disse que me amava, põe-se a bater cada vez mais depressa. E porque eu me levanto para recolher você no meu abraço, e o mato à nossa volta se faz murmuroso e se enche de vaga-lumes enquanto a noite desce com seus segredos, suas mortes, seus espantos – eu sei, ah, eu sei que o meu amor por você é feito de todos os amores que eu já tive, e você é a filha dileta de todas as mulheres que eu amei; e que todas as mulheres que eu amei, como tristes estátuas ao longo da aléia de um jardim noturno, foram passando você de mão em mão, de mão em mão até mim, cuspindo no seu rosto e enfeitando a sua fronte de grinaldas; foram passando você até mim entre cantos, súplicas e vociferações – porque você é linda, porque você é meiga e sobretudo porque você é uma menina com uma flor.

Para uma menina com uma flor (Vinícius de Moraes)
Do livro "Para uma menina com uma flor" (Crônicas)

senhorita chuva
me concede a honra
desta contradança
e vamos sair
por esses campos
ao som desta chuva
que cai sobre o teclado

DANÇA DA CHUVA (Paulo Leminski)
do livro Caprichos & Relaxos

E pra começo de conversa... Drummond

O MUNDO É GRANDE
(Carlos Drummond de Andrade)

O mundo é grande
E cabe nesta janela sobre o mar.
O mar é grande
E cabe na cama e no colchão de amar.
O amor é grande
E cabe no breve espaço de beijar.

Mas por quê?

Numa época em que já não conseguimos imaginar a vida sem os recursos do mundo virtual, blog virou uma coisa comum. Todo mundo tem blog sobre tudo: culinária, política, economia, moda, beleza, e sobre o nada. Principalmente sobre o nada. Então porque criar mais um? Talvez por isso mesmo. Hoje ter um blog já não é nada muito especial. Então manter um espaço virtual não vai chamar muita atenção mesmo. O ALIMENTO DA ALMA nasce para ser um canto pra respirar. Sou apaixonada por belas palavras e aqui vou guardar aquelas que mais me chamarem atenção. Textos que me tocam, e se me tocam podem também tocar outras pessoas. Talvez não chame a atenção. Mas vai ser um lugar prático pra guardar um pouquinho de beleza criada por gente que eu admiro, inclusive, ou melhor, principalmente, dos amigos. E talvez, quem sabe, quando pintar coragem, umas coisinhas próprias também...